18 julho, 2016

Roteiro fechadinho


Lançado fui numa cansativa maratona de filmes em que seus temas, cenas, atores, interpretações e cortes abusavam da tolerância de seus telespectadores e corriam há quilômetros da margem que a tarja de censura lhes amparava. De todos, porém, o filtro que possuo na cachola de alguns frames teve o que tirar.

As informações e imagens foram condensadas num material que serviria mais tarde pra uma piada ou crônica. Quis diferente quem ia escrever e optei por uma ideia pra roteiro cinematográfico. A seguir a introdução.

Fábio namora Julia, e ela o trai com seu professor de Inglês, Jair, que é casado com Virginia, possuindo esta um caso com o colega de trabalho de seu marido e também professor de Português, Alfredo.

Bastou pontuar a introdução e o que escuto do meu ego é “genial, esplendido, extraordinário, inteligente, inventivo, pra deixar de queixo caído fãs de Woody Allen, quiçá o próprio”. E isso, por mais inacreditável que pareça, diverge totalmente de imodéstia ou soberba, porque é comum a aquele que cria achar que inventou algo inimaginável e tão somente originalíssimo no momento em que o conclui.

Mas eis que aparece a agradável e aconchegante procrastinação e desde então muitas vezes adiei revisar. Falei do roteiro pra alguns amigos que se interessaram em ler, não obstante protelei tantas outras vezes entregar. Cheguei até a perder a versão impressa e achei quando, afastando a mesa da cozinha pra limpa-la, esbarrei no pé da geladeira e lá estava ela debaixo. Então parei a faxina e me pus a fazer o que já devia ter feito há muito tempo. Li, reli, procurei erros ortográficos e fui achar justo o que, na êxtase do termino, nem cogitei haver. Frutos da critica honesta, aquela feita pelo próprio criador, eis que surgem os porquês e pra que´s disso e daquilo.

Teria o diretor trabalho, não pus as origens e as motivações por detrás das traições. Mas e pra que as colocaria? E por que falar sobre traições, e por que tantas. Por que ambienta-las no ambiente acadêmico, porque excogitar antagonismo e romantizar um conflito entre um professor de inglês e um de português e porque este é o único homem dessa ficção a não ser traído, a não ter a honra vilipendiada, já que e mesmo se, no final, diretoria, os alunos e os demais funcionários tomam conhecimento de toda a patifaria. E pra que ficam todos sabendo, pra que escancarar algo que apesar de sua natureza indecorosa e despudorada pode fugir a largo da banalidade, se tratada em território particular. Por que e pra que roteirizar temas tão delicados e embaraçosos de modo tão descortês e impolido?

O inconsciente é o pior assessor que um escritor pode ter, uma vez que, se quem lê essa crônica ou chegar a assistir o filme, me conhece, sabe que já fui traído, nunca me dei bem com o inglês, além de odiar a mania estúpida do brasileiro pelo vício por estrangeirismos. Que idolatro a língua da qual me utilizo para sabe-se lá o que, do meu deslumbramento pelo charme de sua versatilidade e que, embora negue de pé junto e dedos cruzados como se assim fosse juramento, minha negação pelo inglês só se dá por não conhece-lo muito bem e continuar a manter distancia. Talvez, só que com um pouquinho de muita certeza, o roteiro do filme fale sobre traição, mas esta crônica é acerca do preconceito.