28 junho, 2016

Inovação ll

...Em data e lugar desconhecidos, e num dia pra lá de nada inspirado, do mundo pré-histórico.

- O que a gente poderia fazer pra nunca ser esquecido?
- Sei lá, talvez algo que tenha a mesma dimensão do céu ou tamanho do mar...
- Como você pensa pequeno, cara! Eu me refiro a algo que mesmo daqui a milênios as pessoas lembrem ou que simplesmente esteja incluído diretamente no cotidiano delas.
- Já sei! A gente chama todo mundo e constrói uma torre, mas não uma simples torre, a maior de todas as torres pra que mais tarde ela se torne um ponto turístico famosíssimo e todos venham conhecer!
- Sério?...Mas vem cá da onde é que você tira tanta ideia idiota?
- Tá, então que tal subir no pico daquela montanha e riscar os nossos nomes?
- Além dos eventuais desgastes que ela vai sofrer com o tempo qual seria a utilidade disso para a humanidade?
- Espera... Que tal uma ferramenta?
- Ferramentas são reflexos das necessidades de uma sociedade num determinado momento. Se a necessidade é cessada, ou encontram algo mais prático que a ferramenta ela é substituída. Na melhor das hipóteses é reformulada.

Dias se passaram e os dois amigos voltaram a falar sobre o assunto.

- Pensou em algo?
- Ainda não. Mas eu descobri algo ontem.
- Ah, sério? Tipo como quantos andares deve ter a torre mais alta ou qual é a melhor pedra para se escrever seu nome na montanha?
- Não.

Tomado pelo orgulho da descoberta que estampava nos olhos é com pressa que o homem toma as duas primeiras pedras que vê a sua frente.

- Ontem eu peguei duas pedras para explicar ao meu filho porque e como ocorre o divorcio e acabei descobrindo isso.

O amigo não podia esconder a perplexidade por estar diante de algo que de significância igual só em outrora quando viu pela primeira vez o que dava contornos as sombras da caverna.

- Meu deus! Mas que palheta de cores incrível. E vem cá, já deu nome?
- Não, tem alguma ideia?
- Põe as iniciais do teu nome!
- Espera... F.o.g.o?
- Fogo é bom, é simples. Vai pegar!


20 junho, 2016

Inovação

Tudo pode acontecer quando um funcionário público decide sair da rotina. E Raul saiu da sua quando pegou emprestada uma peruca loira que a filha usava no teatro e foi com ela ao trabalho. Os demais funcionários acharam aquilo hilário e levaram na esportiva, portanto nada de questionamentos.

No dia seguinte, nada de peruca, dessa vez pôs uma mascarilha colorida enfeitada com purpurina, um paletó vermelho cobrindo uma camisa regata quadriculada. As pessoas começaram a estranhar, perguntavam-se se não tinha Raul mulher e família, porque uma mulher não gosta de se falada por desvairos de marido e um filho se envergonha se um pai tenta ser mais fútil que ele.

E não parou por ai, o pai de família achou uma calça jeans antiga que mofava no armário, fez rasgos em várias partes dela. Com realce nas que cobriam as nádegas. Pegou uma chinela e um tênis All-star e nos pés expôs uma irregularidade pra lá de excêntrica. Vestiu um casaco de couro sem nada por baixo levando o fechecler somente até a metade. Concluiu o look com um Ray-Ban cinza e um chapéu de palha. O escritório agora não mais reagia com espanto, nem tampouco ria do colega vanguardista. Demonstravam repulsa á quem um dia chegou a ser a personificação ligeiramente perfeita da elegância. Euclides, o chefe, que mesmo conhecido por ter uma mentalidade pra lá de liberal, não teve escolha e só restou chamar Raul pra uma conversa.

- Mas o que é isso Raul?
- Isso o que? Oxe...
- Isso, você! Que roupas são essas, que jeito de se comportar é esse? Isso é uma repartição pública, você ficou louco?
- Você tem acompanhado Milão, París ou São Paulo Fashion Week? Pois é, nada de novo, só a mesmice desses estilistas metidos a besta! Euclides, meu lindo, se ninguém enlouquece a moda não acontece!!! 

17 junho, 2016

Protesto

Na sede do sindicado o presidente e trabalhadores acertavam os últimos detalhes para a manhã de protestos. Do outro lado da cidade, já informado do que teria que fazer, um clube de ciclistas aprontava-se e os membros estavam a lubrificar as correntes e encher os pneus das bicicletas. Algumas frotas de taxistas que também se uniram a causa já tinham prontos cartazes e faixas e ás 10 horas da manha com pneus, tijolos, pedras e cones interditaram as duas vias de uma avenida de grande fluxo. Equipes de reportagem foram mandadas ao local para averiguarem as razões da paralisação. 

- Estamos aqui ao vivo com o líder do movimento. Seu Jair, afinal de contas, pelo que vocês protestam?

- Mobilidade urbana. 

13 junho, 2016

Estrela Cadente

- Eu não queria nem brigar!
- E porque a gente tá brigando, Susana?
- Porque você não me ouve!
- Mas o motivo da nossa discussão não era o fato de que eu não falei o que devia?
- O que você não disse que devia ter dito?
- Que ontem era o seu aniversário...
- Mas ontem não era o meu aniversário, Olímpio! Era o da minha mãe!
- Então a gente não devia nem tá brigando...
- Ela lembra todos os anos do seu, estúpido!
- Lembra e liga pra dizer que o dia 20 de fevereiro há trinta anos atrás não deveria ter existido.
- Sim, e ai? Você se ofende por tudo. Se não desse pra nascer dia 20 sua mãe pariria 19 ou 21. Você ia nascer de qualquer jeito!
- Será? Ela implica tanto com a minha existência que lembro de um final de semana que vocês ficaram juntas no sítio e que ao passar uma estrela cadente ela pediu que eu nunca tivesse nascido.
- Mas ela revelou o pedido, mesmo sendo sabedora de que só se concretiza quando não se conta a ninguém. Talvez haja nela, um pouco escondido, algo de bom por você.
- Eu estava só brincando quando falei da estrela cadente... É sério que você acredita nessa besteira?
- Você se lembra daquela Marina do quinto andar que vivia te encarando e pediu até solicitação de amizade no Facebook?
- Marina do quinto andar? Do que você está falando?
- Pois é, acredito. 

10 junho, 2016

Prefiro o adultério


Chego de viagem e sou acanhoado com uma notícia pra lá de inoportuna. Um casal de amigas é acometido pelo faro homofóbico de uma das sogras. Episódio triste, descortês, e eu queria adjetivar só assim, mas pediu o Bom senso que eu pontuasse com Estupidez.

Não bastasse isso, teve a garota que ouvir da mãe que essa preferiria ver a filha com um homem casado que ao lado de uma mulher. Quem estiver boquiaberto que, por favor, feche a boca e abra a mente.

Não gosto de parafrasear, faz parte do meu estilo e assim é feliz a estética do que escrevo, no entanto foi uma frase do Saramago que veio a cabeça e paulatinamente vem em situações assim. José certa vez soltou essa: “o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie”


Lá em cima, antes que o Bom senso me pedisse para por estupidez, eu tinha sugerido selvageria, entretanto sei que os seres dotados dela à uma hora dessas estão à procura da caça, a defender seus grupos ou a si próprios, a procriar e prover o que lhe é necessário, e creio, não do que lhe convém. E se lhes falta conveniência de optar por isso ou aquilo, lhes falta o preconceito. A conveniência de aceitar isso ou aquilo, independentemente da importância que tem a sua aceitação.