01 agosto, 2016

O mundo paralelo do “imagina se fosse eu que tivesse feito isso”

A impossibilidade de lembrar não incomoda tanto, nem tira o sono. No máximo o suficiente para fazer meu cérebro parecer sofrer de Parkinson. Eu adoraria ter certeza se foi ao ouvir Think For Yourself do George Harrison em Rubber Soul ou Condicional do Rodrigo Amarante no disco Quatro que eu tive pela primeira vez a vontade ou o sonho de ter criado algo de outrem.

Aqui, escancarando em linhas e, quando mesmo sem querer, deixando por indolência do inconsciente escapar pelas entrelinhas, eu falo sobre isso pela primeira vez.  O que imediatamente faz o agregado das duvidas se expandir, temos um grande questionamento sustentado por dúvidas pequenas, que talvez não menos importantes. E por se tratar da primeira vez, desconheço a forma do que já possuo, pois vai que é uma tendência a importunar mais gente por ai. Inclusive excluí faz tempo, a tese de que essa vontade de criar o que já foi concebido por alguém é próprio daquele que tem por obrigação ou oficio o ato da invenção. O “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” deve sim, ficar batendo no intelecto do operário, da empregada doméstica, do engenheiro, do funcionário público, de todo mundo! Não é intrínseco ao viés idealizador ou artístico. Mas e se não for? E se somente eu sofro desse mal? E se enquanto fico sonhando em ser ou ter sido aqueles que eu admiro o resto das pessoas simplesmente trabalha para chegar ao patamar dos célebres... Acho que não, quero acreditar que não, vou rezar para que eu esteja errado, vou pagar para algum leitor me escrever um e-mail dizendo que se identificou com cada paragrafo do eu escrevi aqui. Aliás, vou mostrar logo o rascunho pra alguém aqui de casa.

O “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” me faz por a música no volume mais alto e acompanha-la apenas pelo gesto labial imaginando ser o dono daquela voz a equilibrar aquele timbre, o compositor e o guitarrista a tocar os riff´s. Penso que a coisa piorou pro meu lado quando comecei a me afeiçoar com a literatura e as artes. Quantas vezes não me imaginei finalizando os últimos parágrafos de Levantado do Chão ou rabiscando os primeiros traços do crânio a admirar São Gerônimo. Não se falaria em Saramago ou Caravaggio e nesse meu mundo paralelo em que reinam as leis do “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” teria eu um dos nomes mais respeitados do Barroco e um Prêmio Nobel de literatura.

É uma espécie de ganancia contemplativa, não há maldade, portanto descartemos hipótese de inveja. Esse é um anseio por adjetivos que não nos vestem por pura arbitrariedade da natureza. Nascemos desse jeito porque não nascemos doutro, o que é óbvio. Infelizmente para quem sofre da síndrome do “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” nem tudo que é óbvio está claro.