A impossibilidade de lembrar não incomoda
tanto, nem tira o sono. No máximo o suficiente para fazer meu cérebro parecer
sofrer de Parkinson. Eu adoraria ter certeza se foi ao ouvir Think For Yourself
do George Harrison em Rubber Soul ou Condicional do Rodrigo Amarante no disco
Quatro que eu tive pela primeira vez a vontade ou o sonho de ter criado algo de
outrem.
Aqui, escancarando em
linhas e, quando mesmo sem querer, deixando por indolência do inconsciente escapar
pelas entrelinhas, eu falo sobre isso pela primeira vez. O que imediatamente faz o agregado das duvidas
se expandir, temos um grande questionamento sustentado por dúvidas pequenas, que
talvez não menos importantes. E por se tratar da primeira vez, desconheço a
forma do que já possuo, pois vai que é uma tendência a importunar mais gente
por ai. Inclusive excluí faz tempo, a tese de que essa vontade de criar o que
já foi concebido por alguém é próprio daquele que tem por obrigação ou oficio o
ato da invenção. O “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” deve sim, ficar
batendo no intelecto do operário, da empregada doméstica, do engenheiro, do
funcionário público, de todo mundo! Não é intrínseco ao viés idealizador ou artístico.
Mas e se não for? E se somente eu sofro desse mal? E se enquanto fico sonhando
em ser ou ter sido aqueles que eu admiro o resto das pessoas simplesmente
trabalha para chegar ao patamar dos célebres... Acho que não, quero acreditar
que não, vou rezar para que eu esteja errado, vou pagar para algum leitor me
escrever um e-mail dizendo que se identificou com cada paragrafo do eu escrevi
aqui. Aliás, vou mostrar logo o rascunho pra alguém aqui de casa.
O “imagina se fosse eu
que tivesse feito isso” me faz por a música no volume mais alto e acompanha-la
apenas pelo gesto labial imaginando ser o dono daquela voz a equilibrar aquele
timbre, o compositor e o guitarrista a tocar os riff´s. Penso que a
coisa piorou pro meu lado quando comecei a me afeiçoar com a literatura e as
artes. Quantas vezes não me imaginei finalizando os últimos parágrafos de
Levantado do Chão ou rabiscando os primeiros traços do crânio a admirar São
Gerônimo. Não se falaria em Saramago ou Caravaggio e nesse meu mundo paralelo
em que reinam as leis do “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” teria eu
um dos nomes mais respeitados do Barroco e um Prêmio Nobel de literatura.
É uma espécie de
ganancia contemplativa, não há maldade, portanto descartemos hipótese de
inveja. Esse é um anseio por adjetivos que não nos vestem por pura arbitrariedade
da natureza. Nascemos desse jeito porque não nascemos doutro, o que é óbvio. Infelizmente
para quem sofre da síndrome do “imagina se fosse eu que tivesse feito isso” nem
tudo que é óbvio está claro.