19 julho, 2015

Das dores e dos santos


Orgulhava-se dona Maria das Dores de sua rotina diária de rezas que chegavam a ter duração de cinco horas ininterruptas para que assim coubessem entre o amontoado de pai-nossos e ave-marias uma palavrinha para cada santo.

Já no alto dos seus setenta e seis anos Das Dores jamais chegara a tocar em um frasco de remédio, quer fosse natural ou desses manipulados. Bastava consultar o padre para saber o nome do santo que resolvia aquele problema especifico e pronto, resolvia-se.

Quando Inácio, seu primogênito foi diagnosticado com cólera São Humberto foi acionado.

Ao ter conhecimento do descontentamento de sua filha Sônia com seu casamento, reuniu toda senhoria da região e juntas rezaram mais de treze horas para Santa Rita de Cássia. A reza foi tanta que a santidade se viu obrigada a revezar com alguns santos de segmentos semelhantes em turnos de trinta minutos cada para que toda a ladainha fosse captada com perfeição.

Mas a maior demonstração de sua fé foi quando, ao ser picada por uma cascavel, optou por tomar em suas mãos um terço e uma bíblia e rezar pela intercessão de São Paulo, o santo da mordida de cobra, para que essa não a levasse para junto do santo.

Já recuperada do tal incidente dona Maria das Dores encontrava-se em repouso no leito cinco do Hospital São Roque e lá fora atendida sem precisar enfrentar filas ou processos burocráticos, muito comuns no hospital.  

Era famosa e respeitada na região por ter todos os seus pedidos atendidos pelos santos. Tinha gente que se sujeitava a fazer pedidos por encomenda a Maria, que nunca aceitou nenhum, pois prezava pela fidelidade e pelo bom senso em sua relação com as divindades.

Doutor Zé Luís Pereira, o responsável pelo atendimento da fervorosa cristã era conhecido por ter lá suas rixas com Deus. Insistia sempre na tese de que o homem veio do macaco e sem temer quaisquer consequências da fúria divina criticava a bíblia por acreditar não passar de uma fábula meticulosamente articulada para o entretenimento de quem soubesse usa-la com outros fins que passavam longe dos princípios da palavra. 

Extremamente e já não mais estritamente incomodado com o fanatismo de Maria das Dores por suas divindades, esperou que ela acordasse para assim matar sua curiosidade.
     - Minha senhora, eu só lhe vejo rezar para esses santos, mas nunca ouvir pronunciar uma vez que fosse o nome de Deus. O porquê disso, me diga, pelo amor de Darwin.
     - Deus?(risos) Se não teve piedade nem do filho predileto, vai ter de mim, mera pecadora?


Giuliano de Oliveira Mangueira.