Eis que Maurício Mané, aspirante a
alquimista e metido a profeta, em uma de suas experimentações cientificas
descobre a fórmula do sabão purificador de almas. No primeiro teste banha seu
irmão e em questão de minutos pode vê-lo livre da concupiscência, da gula, e de
fagulhas de orgulho. A descoberta extraordinária e contranatura ainda parecia
inconcebível aos olhos de Mauricio que mais tarde se via confuso pelos cantos
da casa. Dividido entre o profano e o sagrado, entre a compartilha e a
recompensa, “revelar a formula para as famílias da vila ou produzir em série
para comercializar?”.
“Vou fazer pelo menor preço possível”. E
assim que em pouco tempo o alquimista já era mais que um simples comerciante,
era um símbolo de fé. O sabão transformava a vida das pessoas expurgando suas
impurezas deixando em seus corpos o aroma da redenção. Não demorou muito para
que surgissem grupos de admiradores, seguidores e fanáticos fiéis que
abandonaram suas crenças para glorificarem Maurício Mané e seu Sabão.
O uso do produto na vila era de consenso
geral. Ninguém utilizava para o banho sabonete que não fosse o sagrado. A
Companhia Saboneteira Mané nunca precisou gastar com propaganda, tampouco
distribuir amostras grátis. Os estoques dos mercados e bazares tinham de ser
renovados diariamente e o mercadejo da iguaria aos poucos fez de uma pacata
vila um vilarejo santo. Tão santo, que aqueles que partiam juravam por si e por
suas próximas gerações que retornariam pelo uma vez a aquela aldeota asséptica.
Como todo e qualquer prodígio negócio, este
teria de se expandir para levar a purificação a torrões pecadores. Mauricio
Mané, sua família e seus seguidores partiram numa cruzada mercante, levando o
sabonete a cada canto do território e conquistando clientes ao mesmo tempo em
que arrebatavam fiéis adoradores do sabão. Não se encontrou resistência até que
localizaram, nos confins do fim do mundo, um burgo desenvolvido e independente
aonde, logo de cara, seu povo foi pouquíssimo receptivo a iguaria. Reclamavam
do preço e questionavam procedência e eficácia produto. Foi preciso então
investir em propaganda e distribuir amostras grátis, pedir ajuda a figuras
influentes e boicotar a concorrência. Após meses de trabalho árduo e muito
dinheiro gasto, a última terra impura foi detergida.
Atualmente por essas bandas não se discute
a respeito do banho. Ouve-se falar que quem é pego seja na banheira, ou debaixo
do chuveiro, e independentemente da entonação do canto, espalhando em seu corpo
Dove, Lux, Palmolive, Senador e qualquer outro, é, dependendo da essência,
decapitado, açoitado ou apedrejado em praça pública.