01 fevereiro, 2016

O sabão

Eis que Maurício Mané, aspirante a alquimista e metido a profeta, em uma de suas experimentações cientificas descobre a fórmula do sabão purificador de almas. No primeiro teste banha seu irmão e em questão de minutos pode vê-lo livre da concupiscência, da gula, e de fagulhas de orgulho. A descoberta extraordinária e contranatura ainda parecia inconcebível aos olhos de Mauricio que mais tarde se via confuso pelos cantos da casa. Dividido entre o profano e o sagrado, entre a compartilha e a recompensa, “revelar a formula para as famílias da vila ou produzir em série para comercializar?”.

“Vou fazer pelo menor preço possível”. E assim que em pouco tempo o alquimista já era mais que um simples comerciante, era um símbolo de fé. O sabão transformava a vida das pessoas expurgando suas impurezas deixando em seus corpos o aroma da redenção. Não demorou muito para que surgissem grupos de admiradores, seguidores e fanáticos fiéis que abandonaram suas crenças para glorificarem Maurício Mané e seu Sabão.

O uso do produto na vila era de consenso geral. Ninguém utilizava para o banho sabonete que não fosse o sagrado. A Companhia Saboneteira Mané nunca precisou gastar com propaganda, tampouco distribuir amostras grátis. Os estoques dos mercados e bazares tinham de ser renovados diariamente e o mercadejo da iguaria aos poucos fez de uma pacata vila um vilarejo santo. Tão santo, que aqueles que partiam juravam por si e por suas próximas gerações que retornariam pelo uma vez a aquela aldeota asséptica.

Como todo e qualquer prodígio negócio, este teria de se expandir para levar a purificação a torrões pecadores. Mauricio Mané, sua família e seus seguidores partiram numa cruzada mercante, levando o sabonete a cada canto do território e conquistando clientes ao mesmo tempo em que arrebatavam fiéis adoradores do sabão. Não se encontrou resistência até que localizaram, nos confins do fim do mundo, um burgo desenvolvido e independente aonde, logo de cara, seu povo foi pouquíssimo receptivo a iguaria. Reclamavam do preço e questionavam procedência e eficácia produto. Foi preciso então investir em propaganda e distribuir amostras grátis, pedir ajuda a figuras influentes e boicotar a concorrência. Após meses de trabalho árduo e muito dinheiro gasto, a última terra impura foi detergida.


Atualmente por essas bandas não se discute a respeito do banho. Ouve-se falar que quem é pego seja na banheira, ou debaixo do chuveiro, e independentemente da entonação do canto, espalhando em seu corpo Dove, Lux, Palmolive, Senador e qualquer outro, é, dependendo da essência, decapitado, açoitado ou apedrejado em praça pública.