19 setembro, 2015

O poliglota


As mensagens vinham geralmente em três idiomas. “I love you”, “je te a’ime”, “ich liebe dich”. Confesso, o camarada tomou-a de mim com afinco. Enquanto eu a beijava com apenas uma língua ele possuía três.

Só não vejo por onde irrompeu o desalinho a fomentar o desmanche das estruturas. Do serviço só chego tarde as terças e quintas, truco e pôquer duas vezes ao mês, futebol e cerveja, samba não, em sábados alternados. E quando me veio com “quero me mudar desse bairro” ultimei com “nos mudamos amanhã”. Comprei uma casa de dois pavimentos, quartos que não dá pra se contar nos dedos e uma cozinha continental já que a americana não era de seu gosto. Mas já bem antes disso, levei a arquitetos renomados, designers célebres, lojas de departamentos de nicho oneroso, mas a mulher bateu na mesa e disse que só aceitaria viver numa morada empavesada nas cerâmicas de Christopher Dresser, desatravancada pelas maçanetas de Guimard e com um segundo andar que só deveria ser acessado se através da escada das grades de linhas curvas do Victor Horta. Quis mais: uma sauna com a porta dupla de vidro do Mackintosh e para pontuar uma lista pra lá de procaz, obsecrou para galantear um comezinho criado mudo à primeira edição de A Bela e a Fera ilustrada pelo Walter Crane. Por fim quando questionei se queria fazer de nosso lar um monumento Nouveau, a energúmena estampou na cara o asco e torceu os lábios respondendo “É Floreale, Stile Floreale, imbecil!”... Enquanto o outro morava num flete que se via mal um quarto e na cozinha, de tão minúscula que era, os dois tinham que se revezar no que podem ser descritos como pseudo-metros-quadrados.

Mas que adentrem na revelação dos fatos todavias e entretantos porque é ao tentar conceituar tudo que certas coisas perdem o significado. A casa que comprei era no centro da cidade. Abafada, calorenta, não corria formiga, mosca, barata e nem vento. Um inferno na terra. O flete do dito cujo era de frente pra orla marítima. O vento das cinco era mais refrescante que água de coco.

E antes mesmo do fim consumado, que ainda não totalmente digerido. Fui do horizonte a mais acolá...  Abdiquei do orgulho depois de muito insistir pela minha aceitação e adesão ao mundéu fútil e oco das redes sociais e assim querendo amenizar o estar e o estará das circunstancias criei conta em Facebook, Instagram, Snapchat e o escambau. Precisava mais! Necessária era uma demonstração de deleite as ferramentas de marocar vida alheia. Tomei a iniciativa! Apanhei uma foto que amigos da faculdade tiraram de um beijo nosso e num ato intertextual republiquei a tal fotografia. Não satisfez nem saldou, não desagravou nem remediou, não conteve nem rejubilou, não compôs e nem recompôs. Disse que esperava pela ressureição de Klimt e Rodin, pois queria ter um beijo seu pintado ou esculpido.


Almejava zarpar? Evaporar-se! Evacuar-se... Mas não queria sair mal falada. E logo de fininho para seguir o roteiro clichê-aventura de tabela? Jamais. Alzheimer veio visitar mamãe e a esposa se fez de boa anfitriã. “Como posso viver numa casa em que sua mãe desconhece a mulher que você escolheu para ser a mãe dos seus filhos? Adeus.”